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17/09/12 | 09:56h (BSB)

“A classe C tem pagar consulta, ou vai morrer numa fila no sistema público”

Juízo é da coordenadora do Conselho de Saúde Pública da OAB, Maria Angélica

Por Raissa Cruz

 

“A população está mal assistida. Os reclames só servem para colocarem em programa eleitoral de TV, porque efetividade não se vê”. Com cinco anos de envolvimento na área da saúde, publicação de livros sobre o tema e mobilização de projetos, além da participação assídua nas ações movidas pelo Ministério Público Estadual sobre as irregularidades no setor, a coordenadora do Conselho de Saúde Pública da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Dra. Maria Angélica, diz que a saúde em Aracaju está um caos, e sustenta pontuando as falhas no sistema. Confira:

 

Universo Político.com - Qual o principal da saúde pública no Município de Aracaju atualmente?
Maria Angélica - O grande problema é que a rede básica não funciona a contento. Os postos de saúde não tem médico suficiente ou não tem o especialista necessário. Por exemplo, uma pessoa conseguir um obstetra em um posto hoje é a coisa mais difícil que existe, pediatra também. Então essa falha reflete na rede de atendimento hospitalar. Porque quando você não é atendido pela rede básica você procura um hospital. E vemos o mesmo problema nos demais municípios, mas Aracaju acarreta o maior problema porque a população dos municípios vem para aqui quando não consegue atendimento em seu município. Aracaju contabiliza hoje um atendimento de 40% acima da população da capital. A secretaria tem um programa para receber sua população, mas a demanda cresce de forma vertiginosa com a chegada de pessoas de fora. E independente demora muito o atendimento nos bairros para a comunidade. Então uma pessoa doente ou espera três meses por uma consulta ou vai morrer. Porque saúde não espera. Eu tive recentemente no Hospital João Alves e encontrei um rapaz em pé tomando soro, mas ele vinha de São Cristóvão onde há quatro dias não tinha tido um atendimento para dor de barriga. Se a atenção básica funcionasse, com profissionais e medicamentos necessários os problemas nos hospitais seriam menores.

 

UP - Como o Conselho avalia o argumento do Município de falta de recursos locais para promover um melhor investimento na saúde?
M. A. - Mas o Município tem recurso para fazer Forró Caju e uma série de outras festas. Que não deixam de ser importantes para cultura, mas certamente não são mais importantes que a saúde. Fora o dinheiro que o Município gasta com uma campanha maciça de publicidade, dizendo que tem o atendimento que não tem. Para isso não falta recurso! Então é uma questão de gestão. Eu acho que o poder público deveria ter um limite de gastos com publicidade. A partir desse valor o dinheiro deveria ser destinado para área que realmente necessita, tipo saúde, segurança e educação.

 

UP - Existe um sistema para marcação de exames, inclusive online, no entanto há críticas sobre sua eficiência. Por quê?
M. A. - Não tem eficiência porque é um sistema invisível. A pessoa não vê quem está na fila, o número de pessoas em espera. É tudo virtual. E eles têm um critério da pessoa ir à fila fazer um levantamento. Mas doente não pode ser tratado assim. Ao doente você não precisa dar privilégio, mas tem obrigação de dar prioridade. Por exemplo, tem determinados tipos de tratamentos que precisam ser feitos de forma imediata para que se possa alcançar a doença. Aqui para fazer um exame a pessoa passa 20 dias, um mês até dois só para marcar. Especialidade, você passa muitas vezes três meses para que um te atenda. Como a pessoa conseguirá diagnosticar sua doença a tempo de tratá-la. Se você entra em uma fase crítica, como vai ainda esperar uma fila? Então as pessoas correm para as unidades hospitalares, e está aí o caos que tudo isso causa.

 

UP – Isso confirma que os problemas da rede básica rendem a superlotação dos hospitais, e por tabela um atendimento fragilizado...
M. A. - Muita coisa poderia ter sido evitada se a parte de baixo, a rede básica funcionasse como deve. Eu acho que a rede básica precisa fazer uma mudança estrutural. Eu acompanho a saúde a cinco anos, e lembro quando tínhamos os postinhos pelos bairros, a saúde pública funcionava mais do que agora com esses postos de construção mirabolantes, mas sem eficiência. Primeiro porque o posto era colocado perto da casa do paciente. Eu vejo com muita tristeza, porque a população pobre tem sofrido muito com isso. E quem lucra com isso? As clínicas particulares com preço popular. Onde as pessoas pagam uma base de R$ 50 ou R$ 60 e não lhe dão nem recibo. E além delas ganham também os planos de saúde. Para se ter uma ideia, houve um acréscimo este ano do número de atendimentos por plano de saúde, e deste atendimentos 49% é da classe C. A classe C é que está sendo sacrificada a pagar uma consulta ou plano sem ter condições, porque senão tem que aceitar morrer numa fila no sistema público.

 

UP - A senhora afirma então que o Município não está dando a assistência necessária?
M. A. - A população está mal assistida. E precisa ser feita uma fiscalização rigorosa quanto o trabalho dos gestores, e ele também tem que sair dos gabinetes e ir aos postos de saúde e hospitais, eles têm que ouvir a população. Mas ela só percebida em época de eleição, o que o povo fala entra por um ouvido e sai pelo outro sempre para eles, quando não, os reclames só servem para colocarem em programa eleitoral de TV, porque efetividade não se vê.

 

UP - Como está a situação do Hospital Cirurgia e o Hospital Santa Maria com a falta de pagamentos?
M. A. - Os funcionários continuam sem receber e nós estamos inclusive realizando audiências agora para cobrar uma medida urgente. Como é que o gestor quer que o funcionário trabalhe sem receber? Qual é o recurso que um funcionário que é assalariado têm para passar três meses sem receber? Como uma clínica ou hospital pode ficar três meses sem recursos? Que banca esses procedimentos são os fornecedores, que entregam o material, mas querem receber. Vemos que hoje falta material na própria Fundação Hospitalar de Saúde, e a falha é porque eles estão devendo aos fornecedores. Então é preciso seriedade e compromisso. Que esses gestores coloquem saúde como prioridade de fato, não só em campanha eleitoral, porque esse é um direito constitucional que deve ser garantido ao cidadão.

 

UP - Sobre as ações movidas pelo Conselho com a Promotoria de Saúde cobrando assistência ao cidadão, o que a senhora poderia destacar?
M. A. - Primeiro que demoram muito para serem julgadas, e depois sentimos muitas vezes tristeza em conseguir uma liminar e quando ela chega ao tribunal é cassada. Eu até gostaria de ter conversas francas com alguns colegas desembargadores para que eles se sensibilizem mais da realidade, que está escondida para eles. Como eles vão saber de dentro do gabinete deles? A imprensa diz uma coisa, e a publicidade diz outra. É preciso se respeitar a individualidade do cidadão, a pessoa do doente. Quando o doente tem recurso vai para São Paulo ou Salvador.

 

UP - Inclusive há reclamações sobre o sistema de deslocamento financiado pelo Estado/Município para que o doente se trate em outra localidade...
M. A. - O custo para se tratar uma pessoa fora daqui é grande, e fora isso o próprio cidadão encontra dificuldades de saber como se mover em uma cidade que muitas vezes ele não conhece, e ainda deixar aqui familiares, filhos. Isso resolve em parte e cria um problema social muito grande. Eu tenho um colega que estava com a esposa doente precisando fazer radioterapia, e na época a máquina estava quebrada. Ele tem um filho deficiente, então dizia para mim: como vou fazer para levar minha fora para um tratamento fora e deixar meu filho aqui?

 

UP - A situação das escalas dos médicos ainda é considerada um grande agravante para os problemas no atendimento?
M. A. - As escalas sempre estão em falta de profissionais, e há muita falta dos médicos escalados para o serviço que, na maioria das vezes, estão desestimulados. Quando não são os atrasos nos salários é a falta das condições de trabalho, muitos médicos não têm nem o material para fazer um procedimento, por exemplo, no Hospital João Alves estava faltando luva, álcool e máscara. Como se realizar um procedimento sem o mínimo de higienização? Como evitar uma infecção se você não tem os instrumentos para combatê-la? Mas continuamos na esperança, fazendo nosso trabalho voluntário de defesa pela saúde no Conselho, e ganhando apenas inimigos por falar a verdade. Mas no evangelho de hoje é muito interessante quando diz: quem está nas trevas não quer vir para luz para que suas mazelas não apareçam.

 

UP - Dra é verdade que o Município já paga grandes multas por contas das ações movidas contra as irregularidades na saúde?
M. A. - Existe sim uma grande demanda de multas nesse sentido, mas o Município pagar é ruim, quem deveria pagar é o gestor, porque ele quem criou o problema. Recentemente em um processo que estava comigo foi fixada uma multa para o gestor pagar, mas o tribunal modificou passando a multa para o Município. Ora, quando o Município paga, quem paga sou eu e você, não é aquele cidadão que está gerando mal o patrimônio público, porque a responsabilidade é dele. É ele quem deveria responder e ser penalizado a respeito.

 

UP - O Judiciário, então, não facilita o trabalho de fiscalização do Ministério Público, Promotoria da Saúde?
M. A. - Não é que eles não facilitam, mas eles ficam restritos a dura lei, e a interpretação de cada um. O que eu acho é que o Judiciário precisaria de um contacto também. Existe inclusive a intenção de se criar câmaras técnicas no Judiciário para que se disponibilize aos juízes e desembargadores elementos para julgamentos em determinadas áreas, justamente para a saúde. Nós não temos nem sustentação legal específica para a saúde, não existe ainda no Brasil uma legislação unificada para saúde. Eu agora estou fazendo um projeto de lei para a senadora Lídice da Mata me pediu para fazer um projeto a respeito, e estou fazendo de graça, quero frisar, catalogando as leis existentes para se criar um código. Mas tem mais de 58 leis fora três projetos atualmente em tramitação. É um projeto consolidando a legislação para que o cidadão possa conhecê-la, tentando colocar em um só dispositivo legal tudo que já existe. Isso inclusive é uma discussão que faz parte do meu primeiro livro - Estatuto dos pacientes: Uma ideia.

 

UP - Para a senhora em que situação está a população mais pobre em relação à saúde pública?
M. A. - Estão desassistidos. Estão pagando consultas particulares, sem ter condições, para ter um atendimento ágil. Nós estamos com um retardo grande e que precisa se encontrar uma maneira de resolver. Eu sugeria até aos gestores que voltem ao atendimento dos postos antigos, no corpo a corpo, perto da casa do cidadão. Porque assim teremos melhores resultados.

 

UP - Nesse período de eleição, qual a expectativa do Conselho de Saúde Pública sobre o novo prefeito (a) de Aracaju ?
M. A. - Não conheço a intenção verdadeira desses candidatos, porque todos dizem as mesmas coisas. Então só o coração deles vai dizer. A nossa expectativa é apenas que aquilo que ele prometeu cumpra. E só.

 

Da redação Universo Político.com



18-05-2024
 

 

 

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