Na Política

Biblia Online

02/12/13 | 10:33h (BSB)

Poder de polícia para as guardas municipais

Por Paulo Márcio [*]

 

Tempos atrás, imperava a ideia de que a criação de guardas municipais com atribuições iguais às da polícia militar – policiamento ostensivo e preventivo – poderia dar ensejo a toda sorte de abusos, posto que, nos rincões mais distantes do país, caracterizados pelo atraso e coronelismo, lideranças anacrônicas fatalmente as transformariam em milícias a serviço dos seus interesses pouco ou nada republicanos.

 

Tal argumento, esgrimido especialmente por políticos de esquerda e comissões de direitos humanos, aliado ao forte lobby das polícias militares de todo o país, receosas de perder espaço para uma “polícia municipal”, levou o constituinte de 1988 a adotar uma posição tímida e conservadora em relação às guardas, reduzindo o seu papel à defesa e preservação de bens, serviços e instalações do município (art. 144, § 8º, da CF/88). Na prática, o guarda municipal foi transformado em um vigilante com status constitucional, e a segurança pública – leia-se: a sociedade – paga até hoje um elevado preço por essa opção equivocada.

 

A Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda um policial para cada 250 habitantes1. Para atender a tal recomendação, Sergipe, com uma população de aproximadamente 2,2 milhões de habitantes, precisaria de 8000 policiais militares trabalhando nas ruas diariamente. Entretanto, o efetivo atual da polícia militar sergipana gira em torno de 3800 homens. Diminuindo-se desse número os desviados de função, os empregados em atividades administrativas, os afastados em razão de processo judicial ou administrativo, os que se encontram no gozo de férias ou licença, bem como considerando o emprego de escalas do tipo 24 horas de trabalho por 72 horas de folga (24 por 72) ou 12 horas de trabalho por 24 horas de folga (12 por 24), o contingente diário despenca para aproximadamente 1250, ou um terço do efetivo - equivalente a um policial para cada 1760 habitantes -, nos colocando bem abaixo da relação preconizada pelas Nações Unidas.

 

Desde 2007 o governo do Estado fala em realizar concurso para 500 policiais militares, no entanto, dificuldades financeiras e equívocos administrativos vêm impedindo a realização do certame. Neste interregno, um número superior a esse foi para a reserva, e um contingente ainda maior já caminha para a inatividade.

 

Enquanto isso, a violência e a criminalidade campeiam. Em 2007, a taxa de homicídios em Sergipe era de 25 por grupo de 100 mil habitantes. Hoje ela está em 40 homicídios por 100 mil/hab, e a curva continua ascendente, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgados recentemente. As estatísticas da SSP/SE apontam um índice de 38,04 homicídios por 100 mil/hab, o que não difere muito dos dados do Ministério da Justiça. Para se ter uma ideia da gravidade, a ONU considera epidêmico o índice de homicídios superior a 10 por grupo de 100 mil/hab.

 

É óbvio que há e sempre haverá problemas de gestão, mas não se pode olvidar que o crescimento da criminalidade está intrinsecamente associado à diminuição do efetivo da polícia militar na última década, ou, para ser mais exato, ao baixo efetivo de agentes de segurança com atribuições de policiamento preventivo-ostensivo. É nesse contexto que avulta a importância das guardas municipais na defesa da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

 

Elevar o efetivo de 1250 para 4000 policiais militares atuando diariamente – alcançando-se a relação de um policial para 550 habitantes e permitindo uma maior aproximação da proposta elaborada pela ONU - é algo inconcebível a curto e médio prazos ante a situação periclitante das finanças estaduais. Entretanto, fosse conferida às guardas municipais, por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), a par das funções já existentes, a de “proteção das populações dos respectivos municípios”, conforme estabelece a PEC 534/2002, essa conta poderia ser repartida entre o Estado e os 75 municípios, tornando não só viável como exequível tal meta num horizonte de aproximadamente dois anos, tempo suficiente para a realização dos concursos e contratação de 1000 policiais militares e 1750 guardas municipais aptos à prevenção e combate à criminalidade. Isso sem falar no efetivo das guardas de municípios como Aracaju, Laranjeiras, Capela e Lagarto, dente outros, que, embora expressivo, tem a atuação limitada ante a ausência de regulamentação legal.

 

Vale dizer: se o Estado realizasse o concurso para 1000 policiais militares e cada um dos 75 municípios também o fizesse para, no mínimo, 25 guardas municipais, já no ano de 2015 contaríamos com 2750 novos agentes de segurança pública (policiais militares e guardas municiais) atuando em todo o território, devolvendo à população sergipana a paz e a qualidade de vida merecidas. Aliás, para o povo é irrelevante se quem o protege efetivamente da ação de bandidos é remunerado com recursos federais, estaduais ou municipais.

 

Alguém poderia, dentre outros questionamentos, objetar que esses novos agentes de segurança também estariam submetidos a escalas de horas trabalhadas por horas de repouso, reduzindo a um terço o contingente proposto. Sem embargo da correção do raciocínio, é preciso dizer que uma gestão racional e eficiente deve ser posta em prática para equacionar esse e outros tipos de problema. Ao menos em relação às guardas municipais, a implantação de uma jornada de trabalho de 30 a 40 horas semanais, com expediente das segundas às sextas-feiras, em dois turnos, e plantão aos finais de semana e feriados, otimizaria o uso do efetivo, assim como ocorre com as unidades da polícia civil e o policiamento ostensivo de boa parte do centro comercial da capital. Por outro lado, a utilização de estatísticas georreferenciadas possibilitaria uma melhor distribuição espacial dos guardas municipais, tornando mais eficazes as ações de prevenção criminal.

 

O melhor, no entanto, é que o regime de expediente (que obriga o servidor a trabalhar de segunda a sexta), ao contrário do plantão, tem o condão de atrair para as guardas pessoas do próprio município ou que, oriundas de outras localidades, tenham interesse e disponibilidade em morar na cidade. Não é preciso enumerar as vantagens de ter profissionais de segurança trabalhando e residindo na mesma comunidade. Ao atuar correta e eficazmente, tal profissional adquire o respeito e a confiança da população, tornando-se um referencial no âmbito da segurança pública local. 

 

Em suma, é necessário otimizar os recursos humanos existentes, pois não há erário que suporte concursos e mais concursos públicos, com elevado investimento e real comprometimento das finanças, se, paralelamente a isso, não houver profissionalização da gestão e integração dos entes federativos, privilegiando-se a eficiência administrativa. Lamentavelmente, um grande exemplo de ineficiência administrativa pode ser encontrado aqui mesmo: no último ano, a SSP/SE investiu 18% a mais em policiamento em relação ao ano de 2011, todavia no mesmo período os homicídios aumentaram 18,5%. Incinerar o dinheiro do contribuinte não traria piores consequências.

 

Justiça seja feita, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP/MJ) vem disponibilizado mais recursos para as guardas municipais, sobretudo na gestão da atual secretária, Regina Miki, permitindo a compra de viaturas, equipamentos de proteção individual e armamentos não letais, além incentivar a criação de novas guardas civis e promover a capacitação de milhares de profissionais em diversos municípios do país. No entanto, os efeitos desses investimentos ainda não são visíveis, nem o serão, se não for colocado em prática um novo modelo de segurança pública que principie pela aprovação de uma Emenda Constitucional outorgando às guardas municipais atribuições de policiamento preventivo-ostensivo com vistas à proteção das populações. Seria esse o marco legal de uma nova e eficiente política nacional de segurança pública.

 

Em um país onde são cometidos cerca de 50 mil homicídios por ano, em que a União e os Estados, não obstante os esforços empreendidos, já não escondem a sua incapacidade para conter o avanço da criminalidade, não utilizar ou subutilizar as guardas municipais, mais do que um grave equívoco, é um crime que se comete contra a sociedade, especialmente os mais pobres, por estarem mais expostos à violência perpetrada por facínoras que se aproveitam das fragilidades do sistema para atuar impunemente, tanto nos grandes centros urbanos quanto nos municípios mais distantes e isolados.

 

Nesse cenário, a aprovação da PEC 534/2002 impõe-se como medida de sobrevivência.  É necessário, pois, que essa discussão se aprofunde e receba do Congresso Nacional a devida importância. A vida e a segurança de milhões de brasileiros dependem disso. 

 

 

 

[*] Paulo Márcio Ramos Cruz é Delegado de Polícia Civil e ex-Superintendente da Polícia Civil de Sergipe.

paulomarcioramos@oi.com.br

 

1Muito embora esta informação conste em diversos artigos científicos, sites e obras especializados, bem como em justificativas de projetos de lei, servindo de parâmetro para a reorganização de agências policiais no Brasil e no mundo, muitos autores defendem que não foi produzido um documento escrito contendo tal recomendação. No Relatório do Secretário Geral das Nações Unidas, divulgado em 2010,  indica-se uma média mundial de 300 policiais para cada 100 mil habitantes referente ao ano de 2006." Nada obstante a incerteza quanto à existência de documento escrito, trata-se de uma recomendação referendada por estudiosos e especialistas em Segurança Pública em todos os países.



26-04-2024
 

 

 

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