Dois anos atrás, ao fundar o Partido Social Democrático (PSD), o ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, disse que a nova sigla não seria de direita, de esquerda ou de centro. Considerando que, na geometria política, ainda não foi descoberta uma nova posição capaz de abrigar a agremiação saída das entranhas do DEM, é de se concluir que o PSD, ao contrário daquilo que anunciou seu fundador, não passa de um partido ubíquo, capaz de estar em todos os lugares e abraçar todas as ideologias ao mesmo tempo, sem sofrimento moral, sem dilemas éticos e com uma dose cavalar de cinismo.
Tal incoerência, no entanto, embora patenteada por Kassab, virou arroz de festa tanto na política nacional quanto na local. Não importa o quanto se tenha combatido, no passado remoto ou recente, um adversário político - tantas vezes alçado à categoria de inimigo figadal. Basta um flerte, uma cantada, um sorriso de Mona Lisa, e o outrora ferrenho adversário se converte rapidamente em manso cordeirinho, pronto a satisfazer a nova liderança naquilo que ela desejar.
Desde que o vice-governador Jackson Barreto (PMDB) pôs a mão no leme do governo estadual, estranhas alianças passaram a se formar, tanto para garantir a maioria na Assembleia Legislativa quanto para fortalecer o palanque na sucessão de 2014. Neste particular, o governador em exercício não está fazendo nada diferente do que outro faria em sua situação. Garantir a governabilidade, no caso de quem administra, e formar um arco de alianças o mais amplo possível, para quem deseja disputar uma eleição, são medidas que fazem parte do jogo político. E, no caso de Jackson, das duas uma: ou ele consegue maioria no parlamento e a adesão de grandes lideranças ao seu projeto, ou pode dar adeus à tão sonhada eleição de 2014.
Importa saber, no entanto, quem são os neoaliados e se os motivos alegados de fato justificam tão brusca mudança de posição.
Das três mais recentes aquisições do JB Futebol Clube - os deputados estaduais Capitão Samuel (PSL), Mundinho (PSL) e Augusto Bezerra (DEM) -, nenhuma causou tanto frisson quanto a do democrata. Aliás, pode-se dizer que, à exceção de Venâncio Fonseca (PP) e do próprio Augusto Bezerra, qualquer outro nome era esperado no setor de desembarque do governo. Daí a notícia de ser ninguém menos que Augusto Bezerra o mais novo governista ter caído como uma bomba no mundo político, provocando estremecimento semelhante ao anúncio da aliança entre Jackson e Albano em 1998.
A justificativa dada por Samuel, de que precisava do apoio de Jackson para a aprovação dos projetos de lei de interesse da polícia militar, foi, ainda que não bem acolhida, pouco contestada; Mundinho, por sua vez, sequer foi levado a sério ao dizer que conhecia Déda e Jackson desde pequenininhos, tendo sido o coordenador da campanha do petista em Itabaianinha em 2010 – um argumento anão, por assim dizer, do tamanho da importância do político na atual conjuntura.
Quanto a Augusto Bezerra... Bem, Augusto poderia ter sido muito mais convincente se tivesse dado qualquer outra justificativa que não a de sua irmã ter sido secretária na gestão de Wellington Paixão. Por exemplo, poderia ter deixado a barba crescer um pouco e anunciado que, faz um tempo, vem lendo alguns livros de Marx, assistindo a palestras de Marilena Chauí, participando do Fórum Social Mundial disfarçado de hippie, ouvindo o DVD “Os 12 Passos Para Se Tornar Um Líder Socialista Depois de Ter Pertencido Ao PFL”, do senador e guru Antônio Carlos Valadares. Depois, com uma expressão típica de místico indiano, revelaria que, por um milagre, deparou-se com a grande verdade de sua vida, tão imensa e bela quanto o Himalaia, que sempre esteve ali, a um palmo do seu nariz, porém encoberta todos esses anos pelo véu da ignorância e do preconceito pequeno-burguês... Mas não! Augusto pretextou sua entrada no JB Futebol Clube com aquela história furada de Paixão...
Sim, há mais mistérios entre o céu e a Terra do que sonha nossa vã filosofia, diria o bardo. Mas nem o diabo é capaz de imaginar as artimanhas de certos políticos para garantir seus interesses. Nesses casos, o que menos importam são as justificativas públicas, que podem não passar de desculpas esfarrapadas.
Em suma, as pessoas - que não são ingênuas nem tolas quanto parecem -, não acreditam em uma vírgula do que geralmente é dito pelos trânsfugas, sejam os argumentos plausíveis ou ridículos. Daí porque, quase sempre, os políticos que agem dessa maneira são castigados nas urnas. A sociedade amadureceu o suficiente para deixar de acreditar em heróis, salvadores da pátria, administradores iluminados, capazes de resolver todos os problemas da noite para o dia. E embora possa parecer sem sentido para alguns políticos, para o povo vale mais a coerência do que certos pragmatismos. A coerência, aliás, é reveladora do caráter; quem não tem a primeira, fatalmente tem problemas com o segundo.
PAULO MÁRCIO é Delegado de Polícia Civil desde 2001. Especialista em Gestão Estratégica em Segurança Pública (UFS) e em Direito Penal e Direito Processual Penal (Fase). Foi Presidente do Sindepol-SE, Superintendente de Polícia Civil de Sergipe, Corregedor Geral de Polícia Civil. Atualmente é titular da 10ª Delegacia Metropolitana. É colunista do portal Universo Político.com E-mail paulomarcioramos@oi.com.br paulomarcioramos.blogspot.com.br
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