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ESPINOZA

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Nicarágua: Crônicas de um conflito anunciado

No dia 19 de julho de 1979, o triunfo revolucionário da Frente Sandinista de Liberação Nacional, FSLN, oferecia novas esperanças para a população nicaraguense, se punha fim à ditadura dos Somoza iniciada em 1943, pelo general Anastasio Somoza García, que perdurou até 1979 com o último deles, Anastasio Somoza Debayle.

 

Para as gerações que hoje em dia estão entre os 40 e 50 anos de idade, foram momentos de utopias - se começava a escrever uma nova história na América latina- se via como a única oportunidade para transformar as grandes desigualdades no continente mais desigual do planeta, se pensava que o triunfo do que hoje se conhece como "a esquerda de guerrilhas" se estenderia por cada um dos países latino-americanos e que isso poria fim aos grandes ditadores que tinham violado todo tipo de direitos humanos e governado como se os países fossem suas granjas.

 

Esse 19 de julho, também significa o início de uma nova ditadura, o Comandante Daniel Ortega que desde 1979 até 1990, se manteve no poder e que a partir de 1991 depois da derrota eleitoral passou a fazer parte da oposição. Em 2006 chegou novamente à presidência usando o pacto com Arnoldo Alemán (presidente no período 1997-2001), quem é conhecido como um dos presidentes mais corruptos na América latina, condenado a 20 anos de prisão em 2003 por lavagem de dinheiro e saque de 250 milhões de dólares.

 

O pacto Ortega - Alemão poderia resumir-se da seguinte maneira, Daniel Ortega brindava proteção a Alemão para que este não vá à prisão por corrupção e cumpra prisão domiciliar e Alemão apoiava a Ortega no Parlamento para que nunca se lhe retire a imunidade parlamentar que o protege das acusações de sua enteada, Zoiloamérica Narváez, quem a afirma haver sido violada repetidamente por Ortega.

 

No triunfo eleitoral de 2006 Ortega, obtém tão só 38% do voto da população, isto é, 62% dos nicaragüenses não o queriam como presidente, os cânones internacionais qualificaram esse triunfo como "pobre" já que para ser reconhecido como aceitável Ortega teve que haver obtido 85% dos votos válidos. Por outro lado, é importante levar em conta que Ortega se encontra no antepenúltimo lugar no ranking dos presidentes latino-americanos com tão só 21% de aprovação a diferença de seu Homologo Lula da Silva do Brasil, que chegou até 85% de aprovação.

 

Daniel Ortega demonstrou ser capaz de cometer fraude eleitoral nas eleições municipais de 2008, a União Européia é consciente disso, em setembro deste ano durante a visita do diretor-geral adjunto de Relações Exteriores da Comissão Européia, Stefano Sannino se soube que se tinham congelado 60 milhões de dólares à Nicarágua por "irregularidades", desde então, a UE tratou de pressionar ao presidente Daniel Ortega para que melhore o sistema eleitoral e respeite as liberdades públicas de cara às eleições presidenciais de 2011.

 

Essa utopia que se apresentou no final dos anos 70, se transformou na implantação de uma nova ditadura. Recentemente Ortega pelas suas ambições pessoais tentou reeleger-se mediante uma reforma Constitucional, como não obteve os 56 votos requeridos, recorreu à via judicial onde os magistrados sandinistas são maioria e lhe deram sinal verde a suas ambições ditatoriais, desta maneira participará das eleições nacionais de 2011, também a prefeito nas municipais de 2012.

 

A Constituição nicaraguense no artigo 147 diz: "não pode ser candidato presidencial o que exercesse ou tiver exercido em propriedade a presidência da república em qualquer tempo do período em que se efetue a eleição para o período seguinte, nem o que a tivesse exercido por dois períodos presidenciais". A recente resolução da Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça, não somente violentou a Carta Magna, mas, além disso, a Lei de Amparo, a Lei Eleitoral, a Lei orgânica do Poder Judiciário e Legislativo, rompendo assim a ordem jurídica e constitucional do país.

 

Um dos aspecto que chama a atenção nestas tentativas reeleicionistas, e portanto violadores da Constituição da Nicarágua, é a pouca importância que se lhe há dado em nível internacional. Será que a comunidade internacional é consciente do fracasso que teve na sua tentativa para que Zelaya voltasse a Honduras depois do golpe de Estado? É necessário lembrar que no dia seguinte do dito golpe, esse foi condenado de maneira unânime, começando com a ALBA, o Banco Mundial, a Organização dos Estados Americanos, a União Européia, etc.

 

Será que a violação à Constituição é uma questão interna dos nicaragüenses e, portanto, não é possível intervir porque se estaria violando a soberania do país? As agências de cooperação ao desenvolverem, depois do futuro fraude de 2011 e 2012, sairão com os mesmos típicos discursos? Levamos tantos anos apoiando a este país, se hão destinados tantos bilhões de dólares e não temos visto mudanças consideráveis, teremos que rediscutir a forma de fazermos cooperação. Será que no palco internacional não tem muita importância o que passe nas repúblicas bananeiras e maquiladoras?

 

De ignorar a situação que hoje se está vivendo na Nicarágua, o palco futuro será previsível, com conflitos violentos, fraude nas eleições presidenciais de 2011 e nas municipais de 2012, a comunidade internacional pedirá que se revisem os resultados eleitorais, enquanto isso retirará todo tipo de ajuda ao país, também se condenará de maneira "quase unânime" dito fraude porque desta vez a ALBA respaldará os resultados e Ortega passará a ocupar o lugar de Somoza.

 

"É fundamental que a horrível "paz de cemitério", muitas vezes forjadas pelas ditaduras, não encontre lugar entre aqueles que escolheram intransigentemente o caminho a liberdade, exato por acreditarem no projeto de uma educação transformadora possibilitada pela força do ideal democrático. Todo consenso é uniformidade, e a uniformidade é antievolução, a quebra do fluxo dialético básico da vida." Regis de Morais, 1987.

 

http://www.recercat.net/bitstream/2072/4263/1/ICPS259.pdf Nicaragua en la encrucijada: el liderazgo de Daniel Ortega y su influencia en el sistema político nicaragüense, WP núm. 259. Institut de Ciències Polítiques i Socials Barcelona, 2007

http://www.universidadperu.com/articulosimagenes/ranking-presidentes-america-2008.jpg

Responsable europeo viajará a Nicaragua para examinar suspensión de la ayuda, AFP, 25/08/2009

 

Fran Espinoza é Politologo, graduado na Universidade Rafael Landivar (Guatemala), Mestrado em Estudos Internacionais de Paz, Conflito e Desenvolvimento, Universidade Jaume I, Castellón (Espanya), doutorando em Estudos Internacionais e Interculturais, Universidade de Deusto, Vizcaya, Espanha. Contato: espinoza.fran@gmail.com

 

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