Na Política

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30/06/10 | 08:12h (BSB)

Fantasma da cassação volta a assombrar Marcelo Déda

No final da comédia Corra Que a Polícia Vem Aí 2 1/2, um sujeito despenca do alto de um edifício e é milagrosamente salvo pelo toldo do andar térreo, que, funcionando como uma espécie de cama elástica daquelas utilizadas pelos bombeiros, amortece o impacto da queda, permitindo que ele chegue ao chão sem sofrer um arranhão sequer. Refeito do susto, põe-se imediatamente a andar, mas é devorado por um leão que acabara de fugir de um zoológico da cidade e, por coincidência, passava pelo local.

 

Não me consta que o governador Marcelo Déda seja apreciador dos filmes de Leslie Nilsen, dado o estilo pouco refinado do popular comediante. É mais provável que Déda, um conhecido amante da sétima arte e apreciador de clássicos do quilate de O Encouraçado Potemkin, do cineasta russo Serguei Eisenstein, em matéria de comédia não aceite nada inferior a Charles Chaplin ou Peter Sellers.

 

Mas de nada valem nossos gostos estéticos quando a vida resolve imitar a arte, não é mesmo? Vale dizer: quando a lei de Murphy teima em pedir passagem tanto faz o sujeito ir de Chopin ou Lairton & Seus Teclados, Bram Stoker ou Stephenie Meyer, Luiz Gonzaga ou Calcinha Preta - apenas para rememorar as recentes tuitadas de um certo secretário que por pouco não azedaram mais do que inocentes pamonhas, canjicas e pés-de-moleque nesta embolada de Copa do Mundo e São João. Alavantu! Anarriê! Olha o Dunnngaaa!

 

Em 2006, pouco antes de se desincompatibilizar do cargo de prefeito de Aracaju para se candidatar ao governo do estado, Marcelo Déda inaugurou algumas obras de maneira festiva. Contratou artistas nacionais, fez discursos, agradecimentos, despedidas. Não faltou quem interpretasse o gesto como ofensa à legislação eleitoral - mais precisamente abuso de poder político e econômico -, como o extinto Partido dos Aposentados da Nação - PAN, que ajuizou ação pleiteando a cassação do seu mandato. Depois de muitas idas e vindas, o processo finalmente está concluso para julgamento no TSE. Ninguém sabe, todavia, qual será o teor da decisão. O que se tem, até o momento, é que a Procuradoria Geral Eleitoral, após a desistência do PAN, assumiu a titularidade da ação e recomendou a cassação do mandato do governador sergipano.

 

Não obstante todo o desconforto da situação, Marcelo Déda mostra-se tranquilo em relação ao desfecho do caso. Vai ver esteja com a razão. Vai ver o TSE não o coloque na vala comum onde jazem os despojos de Cássio Cunha Lima (PB) e Jackson Lago (MA), cassados por infringirem as regras eleitorais no pleito de 2006. Se isso vier mesmo a acontecer, respirará aliviado, na medida em que poderá concentrar todos os esforços na campanha eleitoral. E em caso de vitória, assumir com total tranquilidade um segundo e consecutivo mandato.

 

Se há algo que vem tirando o sono de Marcelo Déda neste momento delicado, certamente não é o processo em trâmite no TSE, mas a possibilidade de propositura de uma nova ação visando à cassação do seu registro ou diploma no presente pleito eleitoral, desta feita em razão do almoço oferecido para 300 convidados - leia-se lideranças políticas - no Palácio de Veraneio em maio deste ano.

 

Como se sabe, na ocasião o governador fez uso da palavra e um dos convidados gravou clandestinamente sua fala, que foi divulgada posteriormente em um programa de rádio transmitido pela Ilha FM, pilotado pelo jornalista Gilmar Carvalho. Num trecho da gravação, que pode ser ouvida no endereço http://www.youtube.com/user/dmilk2222# , Marcelo Déda diz textualmente: "Quando aconteceu (sic) as eleições de 2008, eu não descumpri um compromisso. Até o meu partido eu enfrentei para cumprir a palavra que eu tinha dado, que tinha comunicado ao partido. Eu não fiz nada pelas costas. Fui a eleições suplementares, eleições quando foi cassado o prefeito... e na hora com uma eleição nova, às vezes sabendo que ia pra perder. Normalmente o governador anda de palanque a palanque sabendo que a eleição vai ser perdida... Botar a cara pra perder... Companheiros!, fui pros palanques, fiz campanha, agora quem precisa sou eu!... Quando vocês precisaram, o governador tava lá no palanque... Agora, quem precisa sou eu!"

 

Estamos diante de um fato inequívoco: Marcelo Déda, candidato à reeleição, promoveu um almoço na residência oficial do governador (bem público imóvel), e, sem rodeios, disse a plenos pulmões que precisava daquelas lideranças políticas. Precisava delas para que, afinal? A julgar pelo contexto em que se deu o pronunciamento, o tom de voz utilizado e as próprias palavras empregadas pelo anfitrião, não faltará quem jure por tudo quanto é mais de sagrado que Déda afirmou que precisava das três centenas de qualificados cabos eleitorais para apoiar seu projeto de reeleição ao governo do estado. Trocando em miúdos, dir-se-á que o governador exigiu-lhes uma retribuição pelo que fizera nas eleições de 2008, quando - palavras suas - botou a cara, subiu em palanques e fez campanha para aqueles mesmos convidados.

 

Em suma, o governador de todos os sergipanos, ao que tudo indica, meteu-se numa belíssima enrascada. E isso poderá lhe custar a perda do mandato caso venha a ser reeleito, além de um processo por ato de improbidade administrativa. A oposição já deu o tom do que pretende fazer, ao acusá-lo da prática de conduta vedada, consistente na utilização de bem público imóvel para fins eleitorais. O Ministério Público Eleitoral, por sua vez, já requisitou cópia integral da gravação à Ilha FM, dando a entender que aguardará tão-somente o prazo final para o registro das candidaturas para propor a ação contra o governador, que, pelo visto, ainda terá muitos dissabores em razão do indigesto banquete.

 

Perguntarão alguns: mas a legislação eleitoral não permite o uso da residência oficial do governador para a realização de contatos, encontros e reuniões pertinentes à própria campanha? Sim, a legislação permite, desde que não tenham caráter de ato público, diz a Lei nº 9.504/1997. Perguntarão outros: configura ou não ato público um almoço oferecido para 300 lideranças políticas de todo o estado no qual o governador pede apoio para seu projeto de reeleição? A oposição, certamente, dirá que sim; os governistas, a seu turno, responderão que não. E em caso de empate, o TSE dará a última e definitiva palavra. Essa, aliás, é a essência da democracia: um jogo com regras claras e preexistentes e com um juiz livre e independente para dizer quem atuou com fair play ou quem simplesmente esqueceu a jabulani para meter as travas da chuteira na canela do adversário. No último caso, um cartãozinho vermelho é o único remédio adequado para recolocar as coisas em seus devidos lugares.

 

Como o desafortunado rival do impagável Tenente Frank Drebin, parece que Marcelo Déda escapou ileso do tombo que levou em 2006. Mas seu excesso de confiança após o aparente milagre pode tê-lo conduzido inadvertidamente à boca de leões, raposas e crocodilos que sempre rondam à espreita. Sorte sua que a nossa fauna política é tão rica e variada. Na pior das hipóteses, poderá aproveitar parte do tempo livre para ir ao zoológico dar pipoca aos macacos.

  

Paulo Márcio é delegado de Polícia Civil, graduado em Direito (UFS), especialista em Gestão Estratégica em Segurança Pública (UFS), especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal (Fa-Se) e colunista do Universo Político.com. Contato: paulomarcioramos@oi.com.br



25-04-2024
 

 

 

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