Na Política

Biblia Online

30/04/12 | 00:56h (BSB)

Sobre Lei Orgânica, camaleões e pirilampos

 

 

 

Para quem tem o mínimo de familiaridade com o Direito, não constitui novidade alguma o fato de que as constituições podem ser classificadas sob vários aspectos. Assim, os juristas costumam falar em constituições escritas e não-escritas (referindo-se ao aspecto formal), históricas e dogmáticas (tendo em vista o seu modo de elaboração), rígidas e flexíveis (quando está em mira sua estabilidade ou mutabilidade, ou ainda, se preferirem, plasticidade), e daí por diante, sendo o espectro definido a partir da visão dos constitucionalistas.

 

Todavia, de todas as classificações possíveis e imagináveis, sobreleva em importância a que opõe as constituições quanto à sua origem, vale dizer, quanto à conjuntura ou arranjo de forças que faz surgir, num dado momento histórico, a Carta Política de um Estado.

 

Com base nesse critério, os constitucionalistas distinguem as constituições em outorgadas - resultantes da vontade unilateral do governante (leia-se ditador) -, e democráticas ou promulgadas – em alusão àquelas surgidas em um cenário de estabilidade democrática, em que representantes do povo, reunidos em um órgão especial denominado Assembleia Constituinte, elaboram e promulgam, na metáfora de Carlos Ayres Britto, a “Certidão de nascimento e carteira de identidade do Estado, projeto de vida global da sociedade.”

 

Mutatis mutandis, as instituições democráticas e republicanas, de caráter permanente e cujos membros integram as chamadas carreiras típicas de Estado, devem ser regulamentadas por meio de um conjunto de normas estruturantes que, embora de natureza administrativa, guardem semelhança com uma constituição, ao mesmo tempo em que busquem nela sua fonte de validade ou legitimidade, por meio da mais completa sujeição aos seus preceitos e princípios. Daí serem chamadas de leis orgânicas – como o são as que estruturam os municípios, consideradas uma espécie de constituição municipal em razão da nova conformação federativa.

 

Assim, no que concerne à elaboração do Anteprojeto de Lei Orgânica da Polícia Civil de Sergipe, nada mais natural e democrático do que se criar uma comissão composta pelos representantes das diversas categorias para produzir um texto no qual sejam inseridas as propostas que representem os anseios dos servidores representados, cabendo à administração traçar o perfil organizacional e definir as regras que garantam uma maior funcionalidade e eficácia do aparato policial, tudo isso, obviamente, em consonância com as injunções constitucionais.

 

Pois bem, ao menos aparentemente as coisas convergiam nesse sentido, na medida em que, cumprindo determinação do governador Marcelo Déda, o Secretário de Estado da Segurança Pública criou, em meados do ano passado, por meio de portaria publicada no Diário Oficial do Estado, uma Comissão Especial para a Elaboração do Projeto de Lei Orgânica da Polícia Civil, composta por 06 membros: 01 representante do Secretário da Segurança Pública, 01 representante da Superintendente da Polícia Civil, 02 representantes da Associação dos Delegados (Adepol) e 02 representantes do Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol).

 

Instalada a Comissão, o Anteprojeto foi concluído, a duras penas, em outubro do ano passado, sendo em seguida submetido ao crivo do Secretário, que promoveu 22 alterações consideradas altamente prejudiciais aos interesses de todas as categorias representadas, e encaminhou o texto em definitivo para o governador em 27 de fevereiro último.

 

Ocorre que algum auxiliar do governador deve achar que não existe nada tão ruim que não possa ser piorado. Seguindo essa diretriz, o governador, ao invés de atender o requerimento da Adepol e reincluir no texto os direitos e garantias extirpados do Anteprojeto original, simplesmente determinou ao Secretário de Segurança Pública que refizesse o original ou fizesse um novo – isso nunca ficou claro para as entidades -  Anteprojeto de Lei Orgânica, adequando-o à realidade econômico-financeira do estado.

 

Seria o caso, então, de o Secretário reconvocar a Comissão Especial para a Elaboração da Lei Orgânica da Polícia Civil – inclusive ampliando-a para permitir o ingresso da Associação dos Escrivães (Aepol) -, fixar um novo prazo para a conclusão dos trabalhos e manter, por dever de lealdade e coerência, o texto original, para que sobre ele fossem feitas as alterações com vista à observância da Lei de Responsabilidade Fiscal.

 

Qual o quê? Depois da reunião do governador com a cúpula da SSP, o obscurantismo, a falta de transparência, a dissimulação, o engodo, o ardil, a perfídia e a desinformação substituíram o diálogo e o respeito. Assim, após bater, sem sucesso, às portas da SSP, da Superintendência da Polícia Civil, da Casa Civil e até de alguns gabinetes de deputados estaduais a fim de saber se existia e por onde andava um tal Anteprojeto de Lei Orgânica da Polícia Civil, a Adepol por fim conseguiu, mercê do espírito cívico e da hombridade do Procurador Geral do Estado, Dr. Márcio Leite Rezende, ter acesso ao quase folclórico texto.

 

Findo o mistério, os Delegados de Polícia então compreenderam o porquê de tanta insistência da SSP em negar-lhes o acesso ao novo Anteprojeto de Lei Orgânica. Bastou uma rápida análise para se constatar que a montanha havia parido um rato. Tanto segredo, tanta força para esconder a verdade, tanto jogo de empurra para tentar engambelar profissionais altamente qualificados, tudo isso para, no final, produzir-se um Anteprojeto tecnicamente mal elaborado, juridicamente insustentável, eticamente condenável, politicamente inviável – já que coloca o governador em uma saia justa ou beco sem saída -, além de desagregador, aviltante, draconiano e repulsivo. Numa palavra, uma estrovenga elaborada por analfabetos jurídicos mal-intencionados.

 

Não resta dúvida de que o propósito do novo Anteprojeto é impor o terror, a perseguição e a censura no âmbito da Polícia Civil, tanto que alguns deputados cujos nomes serão preservados por razões éticas compararam-no ao famigerado AI-5. A preocupação central dos artífices da estrovenga jurídica foi criar transgresões disciplinares completamente absurdas e inconstitucionais, estabelecendo, na maioria dos casos, a pena de demissão para o servidor "faltoso" - leia-se: os dirigentes sindicais e quem quer que ouse questionar algum desmando na SSP. Na outra ponta, aproveitaram o ensejo para acabar com o critério de promoção por antiguidade para a 1ª Classe da carreira de Delegado, criando-se 05 vagas a serem preenchidas exclusivamente pelo critério de merecimento. Alguém aí é capaz de adivinhar quem serão os promovidos caso a lei venha a ser aprovada?    

 

Por conta disso, os Delegados de Polícia decidiram, por unanimidade, em assembleia realizada na última sexta-feira, 27, desautorizar a atual cúpula da SSP a representá-los nas discussões acerca do Anteprojeto de Lei Orgânica. É de bom alvitre que o governador leve a sério essa decisão, pois a categoria está decidida, coesa e pouco preocupada com carantonhas, pantomimas e represálias. A nós só interessa a reabertura do diálogo ou a imediata suspensão do trâmite do odioso Anteprojeto que remonta às Ordenações do Reino.

 

Aos dissimulados, pérfidos e egoístas; aos embusteiros que não sabem o que é civismo, democracia, transparência, tolerância; aos venais que fazem o jogo sujo do poder em troca de algumas migalhas; aos que traíram os colegas e a instituição porque há muito anestesiaram a consciência a fim de se furtarem ao remorso que pode emergir dos atos de patifaria, a todos vocês, hipócritas, dedico esses versos de Carlos Ayres Britto, Presidente do Supremo Tribunal Federal, na esperança de que um dia vocês possam compreender o sentido da palavra dignidade e se comportar de acordo com esse entendimento: “Não sou como camaleão que busca lençóis em plena luz do dia. Sou como pirilampo que, na mais densa noite, se anuncia.”

 

 

 

 

 

PAULO MÁRCIO é Delegado de Polícia Civil desde 2001. Especialista em Gestão Estratégica em Segurança Pública (UFS) e em Direito Penal e Direito Processual Penal (Fase).  Foi Presidente do Sindepol-SE, Superintendente de Polícia Civil de Sergipe, Corregedor Geral de Polícia Civil. Atualmente é titular da 10ª Delegacia Metropolitana. É colunista do portal Universo Político.com E-mail: paulomarcioramos@oi.com.br

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



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